domingo, 1 de maio de 2022

A RICA FILOSOFIA DE THALES

 

FOTO 1 ‒ 08/01/2007, São Paulo: Na época em que fazia o doutorado em filosofia medieval na USP ‒ de 2003 a 2010 ‒, ocupei-me em observar meus sobrinhos-netos e escrever sobre alguns aspectos e conceitos filosóficos presentes na infância. Foi uma excelente terapia, pois a aventura de tentar o doutorado já depois dos sessenta anos foi uma tarefa difícil e que exigiu muito de mim em termos de pesquisa e estudo. Thales nasceu em 13/12/2005, quando eu já estava há dois anos em São Paulo. Foram muitas as ideias filosóficas que ele me repassou na beleza e plenitude de sua pequena infância. Na foto acima, estávamos num momento de folga em um Shopping. Nas visitas que fazia à minha sobrinha Erimércia Freire, seu esposo Émerson Rolim Cuellas, e seus filhos Ítalo e Thales, eles sempre me davam uma atenção especial, como no momento dessa foto.

A RICA FILOSOFIA DE THALES [i]

enivaldo ufino

A referência poderia ser a Tales de Mileto (c. 624 a. C. ‒ c. 546 a. C. [78]), filósofo grego, mas não é. Tem tudo para ser, pois se trata daquele que é considerado fundador da filosofia Ocidental, por ter sido o primeiro a tentar dar uma explicação racional do mundo, com sua filosofia da natureza, que considerava a água como elemento fundador do universo. E, como se não bastasse todas essas ricas informações, esse filósofo e matemático grego era considerado o mais antigo dos chamados Sete Sábios da Grécia [ii]. Mesmo assim, não é a ele que me refiro, pois a rica filosofia à qual me reporto, aqui, é outra. Trata-se da rica filosofia do meu sobrinho‒neto Thales, na exuberância da primeira etapa de sua vida, a infância, a academia da sabedoria natural.

Pensando bem, Tales de Mileto é importante, sim, mesmo que isso seja contraditório ou paradoxal com o que foi dito acima. Já que todo o recheio deste artigo é de fundo agostiniano, serei fiel a Agostinho de Hipona (354‒430 [75]): defenderei os dois lados do paradoxo. Ou seja, no presente caso, Tales de Mileto é importante e, ao mesmo tempo, não é importante. Começo pela negativa: não é importante, porque o objeto central deste trabalho intelectual é, de fato, Thales, o garoto na exuberância de sua primeira infância. E concluo pelo positivo: Tales de Mileto é importante como fonte de inspiração e, ainda, porque é importante de verdade como um dos principais filósofos da Antiguidade. Além do mais, está visceralmente ligado à primeira riqueza filosófica a ser explorada neste artigo. Senão, vejamos:      

1. O filósofo da água e... da fumaça

Onde há água há fumaça? Não, não é bem assim. Onde há fumaça, há fogo. Agora sim, está certo e dentro dos padrões naturais e filosóficos. Mas o primeiro – ligeiramente modificado: onde há fumaça há água – está certo? Vamos admitir que sim, pois está tudo no bojo da filosofia natural. E onde se localiza o nosso Thales nisso tudo? Paradoxalmente – para continuar fiel a Agostinho –, tanto de um lado quanto do outro.

Na terça-feira 22 de julho de 2008, três dias depois da suntuosa festa do casamento de Ricardo com minha querida sobrinha Lyzandra, encontro-me na casa dos Freire/Cuellas em companhia da minha querida e “dolorida” família. Dolorida, pois todos sofríamos um pouco com as dores nos pés de Cosma, minha esposa, por problemas de circulação e também por outras questões, como o percurso de avião no voo Recife/São Paulo, por exemplo, e a necessidade de mais repouso. Ali estávamos todos nós, em pleno repouso e desfrute de uma hospitalidade singular, quando Émerson pede que cheire o cabelo de Thales e pergunte que cheiro de fumaça é aquele. Agi como recomendado. Cheirei a cabecinha dele e perguntei: – “Que cheiro de fumaça é esse no seu cabelo?” Ora, se onde há fumaça há fogo, ou seja, se fumaça é sinal de fogo, se fumaça aponta para alguma coisa que não ela mesma – para utilizar, mais uma vez, recurso da filosofia agostiniana, que valoriza tanto a questão de signo e significado –, então aquele imaginário “cheiro” de fumaça, aquele signum, possivelmente apontaria para alguma coisa que não ele mesmo. Nesses termos, a lógica do pequeno vai funcionar perfeitamente.

O que Thales não alcança, nem tem idade suficiente para alcançar, são os recursos da razão que ajudam a entender com maior precisão a importância e o que quer dizer signo e significado. Ou seja, que fumaça é signo de fogo, mas de fogo, mesmo, e não de algo que apenas tenha a aparência de fogo. Esse alcance ele não tem, apesar de ter o sentido lógico da coisa, pois uma vez provocado pela minha pergunta: – “Que cheiro de fumaça é esse no seu cabelo?”, ele responde de imediato: – “É do casamento”. O casamento estava tão quente assim? Ora, o “fogo” do casamento nada mais era do que aquilo que estava por trás do gelo seco, ou seja, água.  Sendo assim, nem a fumaça era fumaça, nem o fogo era fogo. A fumaça era algo similar à fumaça e o fogo era... água. O signo, ali, apontava para outra coisa que não ele mesmo e nem o fogo.

Fiquei muito curioso para saber o que ele faria, a partir dali, com aquele “achado” que tinha muito a ver com a filosofia de Tales de Mileto. No dia seguinte, 23, seu tio Van – meu sobrinho Erivan –, chegou e foi beijá-lo. Recomendei como Émerson no dia anterior. Quando Van lhe dirige a mesma pergunta: – “Que cheiro de fumaça é esse no seu cabelo?”, ele agora dá outra resposta: – “Lavei meu cabelo”. Até que enfim evoluíste intelectualmente, meu querido garoto, e fizeste o que deverias ter feito desde o casamento: lavar o cabelo para tirar aquele esquisito cheiro de “fumaça” de gelo seco, signo que aponta não para o fogo de Parmênides (539? ‒ 450? a. C. [89]), mas para a água de Tales de Mileto.

2. A pura filosofia agostiniana do humilis e sublimis               

Dada a base cristã de Agostinho, dois dos mais belos conceitos que ele desenvolve em sua filosofia são exatamente o da humildade e da sublimidade, ou o humilis e o sublimis. Este, representado na grandeza de Deus, aquele, na baixeza do homem.

O homem é, por natureza, um ser decaído do seu estado de inocência original, por causa da grave falha de desobedecer ao preceito divino. Preceito este, por sinal, de transparência e simplicidade infantil. Por conta desse fracasso, o homem é e, ao mesmo tempo, não é. A mutabilidade que acomete sua alma faz com que ele seja ao mesmo tempo em que está deixando de ser. Só Deus é. Dito de outra maneira, só Deus é de forma absoluta, só Deus é o ser por excelência. Deus é o ser sublime, cuja sublimidade a pobreza da linguagem humana jamais será capaz de descrever sequer por aproximação. Por isso mesmo, além de sublime é também inefável, isto é, não pode ser nomeado nem descrito com o recurso da palavra, que nada diz de Deus, a não ser em termos apofáticos, ou seja, tentando descrevê-lo de forma negativa. O que conseguimos dizer de Deus, então, é nada dizer. Melhor, portanto, calar, ficar em total silêncio diante do profundo mistério. Ou, então, ter consciência da ignorância e dizer como disse Sócrates (470 a. C. ‒ 399 a. C, [70]): “O que sei é que nada sei”.

Ocorre que Agostinho, com ousadia admirável e partindo do ponto preciso da encarnação de Cristo, insere o sublimis no humano e, através dele, eleva o humilis à condição da excelsitude própria do sublimis. O que ele faz é simplesmente inverter as pedras, sem alterar a beleza e a grandiosidade do jogo que se esconde por trás da providência divina. Por isso mesmo é que o humilde será exaltado e o soberbo será humilhado, pois o soberbo é o humilis falsificado por tentar colocar-se no lugar do sublimis e fazer-se fim em si mesmo e para si mesmo. Todavia, ser pequeno até o chão é que é o lugar natural do homem, pelo menos no pensamento de Agostinho de Hipona. 

Ora, o que acontece com o nosso querido Thales quando falta apenas cerca de um mês para completar três anos, isso em novembro de 2008? Ele profere uma frase tão linda e tão significativamente filosófica, que fica difícil até de acreditar que tenha saído da boca de uma criança; mas, segundo a Bíblia, é da boca das crianças e dos lactentes que sai o perfeito louvor [iii]. São palavras infantis, usadas por alguém que não dispõe de nenhum domínio intelectual da fala, mas que são dignas de constar de qualquer epígrafe e de qualquer obra da literatura.

Com seu jeito amável, afável e carismático, ele bate um gostoso papo com tio Van, um verdadeiro gigante de pouco mais de um metro e oitenta de altura. O abismo antropológico é imenso entre os dois, em termos de estatura. Em sentido antropológico, de fato, ambos são dois gigantes, independentemente desse aparente abismo. A certo momento da fala entre tio e sobrinho, este levanta os olhinhos às alturas, onde paira o olhar daquele, e profere: – “Tio Van é alto até o teto, eu sou baixo até o chão”.

3. O adequado uso dos sentidos pela alma               

Para Agostinho, o comando dos sentidos está na alma e não no corpo. A alma guarda a integridade de todos os sentidos apelando ao sentido interior. Esse cuidado da alma para manter o corpo equilibrado e incólume, é um vestígio da secretíssima unidade da qual lhe vem o ser, razão que o leva a agradecer a Deus, mesmo que tivesse vivido apenas até à infância [iv]. Sendo assim, quem vê, propriamente, não é o sentido da visão, mas a alma através do sentido da visão. E, de forma similar, com os demais sentidos [v]. O adequado uso dos sentidos por Thales, então, tanto reflete esse cuidado da alma para manter a integridade do corpo, quanto as expressões dos estados anímicos, que passam pelo prazer, pela dor, pela alegria e, claro, até pelos valores éticos e estéticos. Que ninguém se engane: a alma infantil, isto é, a alma em estado inicial, tem seus olhinhos bem abertos para o mundo e para as pessoas entre as quais está inserida. Ela é muito mais atenta do que muitos atentos adultos com suas almas em estado mais avançado.

Naquele dia, a alma de Thales, no comando de todos os sentidos, está em quase perfeito equilíbrio consigo mesma, pois desfruta da doce companhia de vovó Áurea [vi]. E a estabilidade anímica que se processa no corpo e através do corpo é tão mais significativa pelo fato de Vovó ser a mamãe de Mamãe. É por isso que seus pequenos e inocentes membros estão como que elétricos, obedecendo aos comandos da alma: suas perninhas se movimentam com uma agilidade incrível; suas mãos agarram as coisas, brincam, gesticulam incansáveis; seus ouvidos estão atentos a cada som, a cada palavra, a cada novidade; o olfato se deleita com os aromas das comidas e guloseimas; seu gosto gosta das coisas que gosta, ainda mais com o bom gosto de Vovó; e as janelas da alma estão escancaradas, faiscantes, atentas ao menor movimento, às mais imperceptíveis mudanças no espaço ao derredor, inclusive as estéticas. Seus olhinhos, quer dizer, as janelas da alma, estão brilhantes e sequiosos por novidades.

O papo entre o neto e a Avó, naquele momento, parece ser completamente distinto de tudo que foi dito acima. Pena que, feito alguns raros e antiquíssimos manuscritos dos quais nada mais resta senão fragmentos, apenas uma frase foi salva de toda aquela conversa. Cinco palavras que são suficientes ao nosso propósito, pois se trata de um eloquente fragmento de fundo filosófico. Bonita, vaidosa, de aparência jovial, Vovó está de cabelos bem cuidados – com um tipo de corte um pouco diferente do costumeiro – quando, de repente, as mechas esvoaçantes ao sabor do vento caem sobre o seu rosto. Atentíssima, a alma do menino tem sua atenção despertada pelo sentido da visão, por ela mesma comandado e, numa fração de segundos, aciona o intelecto e a fala da irrequieta criança, que balbucia numa prosódia parcialmente inarticulada: - “Seu cabelo tá etanho, Vó”.

4. Agostinho e Ambrósio: leitura silenciosa e metáforas

Se existe um recurso retórico utilizado por Agostinho mais do que outros, é o da metáfora. São tantas e tão variadas, que formam um capítulo à parte [vii]. Outro recurso que desperta a atenção do hiponense, pouco comum na época, é o do método da leitura silenciosa, utilizado por Ambrósio (340? ‒ 397 [57]), bispo de Milão: “Mas, quando (Ambrósio) lia, os olhos percorriam as páginas, e o seu coração penetrava o sentido, enquanto a voz e a língua se mantinham em repouso” [viii]. O grande admirador de Ambrósio, aprendiz e beneficiário da leitura silenciosa, continua o relato, dizendo que ele era visto sempre lendo “em silêncio e nunca de outra forma”, concentrado de tal maneira que muitas vezes as pessoas esperavam longo tempo em silêncio e, não ousando perturbá-lo, iam embora sem serem atendidas. Para Agostinho isso não representava problema algum, pois entendia as razões do bispo nessa parada obrigatória para alimentar a alma com a leitura, além de ter recebido dele a necessária e inestimável ajuda para a compreensão do duplo sentido das Escrituras – espiritual e alegórico – e para outras questões que complicaram sua vida e o mantiveram longe da fé da igreja católica.

Agora, vamos falar da terceira pessoa dessa trindade, isto é, de Thales, para saber o motivo de incluir seu nome nessa relação filosófica com os dois grandes gênios da patrística. Leitura em silêncio não é o seu prato predileto, pois nessa época nem sequer sabia ler. Mas a curiosidade (curiositas), aqui como virtude e não como vício, é própria da natureza de sua alma infantil, como é própria da natureza da alma humana em sentido geral. E o que desperta a curiosidade do pequeno?

O que desperta a curiosidade de Thales é exatamente Mamãe Mercinha que lê silenciosamente sobre a cama, mesmo não sendo agostiniana. Ele chega de mansinho, com aquele jeito carinhoso e questionador, e fica parado, atento, observando, olhando e como quem nada entende daquilo que está vendo. E ele está exatamente em silêncio, admirado com aquela cena tão bizarra à sua compreensão: a mãe está com um livro nas mãos, percorrendo a página com o olhar, mas sua boca está fechada, seus lábios estão cerrados, ou seja, reina um silêncio absoluto na aconchegante ambiência do aposento de repouso de Papai e Mamãe. A alma do infante se inquieta, fica perplexa e, sem conseguir segurar por mais tempo a angústia que toda aquela esquisitice lhe desperta, indaga: – “O que você está fazendo?” Essa é uma boa pergunta, garoto, e pode lhe levar às fontes da filosofia! Agora, vamos ver como você se sai diante da resposta que mamãe lhe dá de imediato: – “Estou lendo”. Sua alma aciona todos os comandos sensoriais possíveis, numa fração de segundos – pois ele fica agoniado com aquela resposta ainda mais esdrúxula, aparentemente evasiva –, e contra-argumenta com um duplo raciocínio, de pergunta e resposta: – “Lendo? Você não está lendo. Sua boca está parada”. E agora, Mamãe, como sair dessa dificuldade que lhe foi imposta pela lógica infantil?

Veja que seu herdeiro está filosoficamente tão abismado diante de você, quase tanto quanto Agostinho diante de Ambrósio. É isso que dá ter uma alma racional no comando, o que não seria o mesmo caso se apenas o corpo estivesse no comando, coisa que o corpo não tem condições.  Mamãe, pronta para qualquer embate, haja vista sua argúcia e a longa experiência no magistério infantil, tenta sair daquele embaraço com esta: – “Eu estou lendo com o pensamento”. Ou seja, apela ao verbo interior e ao recurso retórico da metáfora. O pensamento lê? Mas o pensamento lê com que, com outro pensamento? Como funciona essa máquina tão complexa, ainda mais para a filosofia que fica só insistindo com perguntas e mais perguntas?

E agora, como se porta o nosso herói? Aceitará simplesmente esse tipo de resposta metafórica? Jamais, pois pela sua lógica, que está correta, se o pensamento tem realmente condições de ler, ele precisaria pelo menos de um recurso especial, também metafórico, porém ainda mais decisivo e sensorial. E por que ele chega à conclusão de que com a ajuda de um dos sentidos o pensamento teria condições de ler? Simples: porque ‒Pensamento não tem boca”. Agora, se a leitura fosse feita com a boca do pensamento, tudo bem! Se Mamãe tivesse respondido: estou lendo com a boca do pensamento – ou do coração – ele teria entendido em gênero, número e grau! E com a doçura do seu pequeno coração, daria razão também a Agostinho, ou receberia a aprovação e elogio do nosso filósofo que, falando sobre esse assunto tão deslumbrante, diz que a boca de Ambrósio, oculta no coração, ruminava saborosos deleites no pão do Senhor: “[...] que saborosos deleites a sua boca, oculta no seu coração, ruminava no teu pão” (et occultum os eius, quod erat in corde eius, quam sapida gaudia de pane tuo ruminaret (Confissões VI iii 3).

5. O filósofo da geometria

Com a tese de doutorado já pronta e repassada ao orientador Moacyr Novaes, em 13/10/2010, eu me dei ao luxo de folgar um pouco da preocupação com minha criança acadêmica e passar um ou dois dias na casa do querido filósofo mirim, como convidado de honra de seus pais. O resultado é que terminei ficando por lá uma semana inteira: de 10 a 17.

Levei minhas poesias e desenhos na bagagem. Queria mostrar coincidências que ocorreram ao resgatar revistas da década de 1960, com reportagens e fotos da atriz italiana Gina Lollobrigida (04/07/1927), a quem admiro desde meus 12 anos de idade, quando ainda morava em Arcoverde, PE, isto é, desde a segunda infância. Algumas dessas publicações trazem em suas páginas fotos que usei como modelo para desenhos que ainda conservo no meu acervo.

Ao mostrar uma dessas obras a Émerson e Mercinha, sob os olhares atentos dos dois queridos sobrinhos‒netos, Ítalo, com nove anos, e Thales, com quatro anos e dez meses, a exposição do futuro doutor em filosofia pela USP estava um tanto fora dos padrões exigidos pela mais pura geometria, principalmente diante do pai da filosofia ocidental. O desatento e quadrado doutorando explicava que quando ia desenhar traçava um quadrado como aquele e a partir daí começava a executar sua obra. Foi nesse momento que percebi Thales aos cochichos com sua mãe. Ao notar aquela cena, entendi que se um filósofo fala em surdina, mesmo que o estrépito da voz não se faça ouvir, algo importante está sendo dito. Parei um pouco a explicação e perguntei do que se tratava. O garoto‒filósofo dissera ao ouvido de sua mãe: ‒ “Isso não é um quadrado, isso é um retângulo”. E era mesmo. Errado estava o quadrado do tio‒avô que disse que um retângulo era quadrado.   


FOTOS

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FOTO 2 ‒ 23/03/2022, São Paulo: Thales à esquerda de Ítalo. As crianças cresceram!
FOTO 3 ‒ 23/03/2022, São Paulo: Émerson e Mercinha (Erimércia).
FOTO 4 ‒ Sem data, praia de Caraguatatuba, São Paulo: a admiração filosófica do filósofo da água e da fumaça.
FOTO 5 ‒ 2006 ou 2007, São Paulo: Thales observa Titia Jeanete, enquanto Vovó Áurea fala alguma coisa em surdina, e Mamãe se fixa cuidando de uma camiseta.
FOTO 6 ‒ 2006 ou 2007, São Paulo, SP: Vovó Áurea com o futuro filósofo da água e da fumaça nos braços, Papai Émerson com o rapagão Ítalo, e Mercinha abraçada com Van.
FOTO 7 ‒ 2022, São Paulo, SP: O filósofo‒gato com o gato nos braços.
FOTO 8 ‒ 2022, São Paulo, SP: Os dois inseparáveis irmãos, Thales e Ítalo, têm sempre o braço protetor sobre eles.
FOTO 9 ‒ 2022, São Paulo, SP: O pequeno filósofo grego da água e da fumaça se transformou num belo Deus grego saído das águas do mar. Continua fiel às águas e na defesa de sua tese revolucionária.

FOTO 10 ‒ 08/01/2007, Recife, PE: O garoto cresceu e se transformou num lindo rapaz, porém a criança continua nele, pois para onde teria ido?



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NOTAS

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[i] Estou dando um intervalo nas publicações sobre a Primeira Igreja Batista de Beberibe, por conta do fato de que o terceiro artigo está dependendo de muita pesquisa em fotos e material que tenho no meu acervo. Uma vez que essa nova tarefa das memórias pastorais será gigantesca, pois já temos assunto para mais de dois anos, certamente teremos outros momentos de intervalo. E nada melhor do que rechear com filosofia, desde que filosofia infantil.

[ii] Cícero (Marco Túlio Cícero, 106‒43 a. C. [63]), famoso filósofo, retórico e político romano, diz o seguinte sobre os Sete Sábios gregos: “Porque não creio que Metrodoro tivesse tomado este nome (de sábio) antes, mas, vendo que Epicuro se fazia chamar o sábio, não quis recusar tão grande benefício. E, quanto àqueles antigos sete, não foram sábios por vontade própria, mas pelo sufrágio do povo”; e o tradutor, em nota de rodapé, assim se expressa: “Os Sete Sábios, nome dado a sete filósofos e estadistas da antiga Grécia. Segundo a tradição, eram eles: Bias, Cleóbulo, Míson, Pítaco, Quílon, Sólon e Tales de Mileto”, cfe. CÍCERO. Do sumo bem e do sumo mal (de finibus bonorum et malorum). Trad. Carlos Ancêde Nougué. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 203 p. ISBN 85-336-2163-9. II iii, p. 36, nota 2.

[iii] Confira Salmos viii 3.

[iv] Confira Confissões I xx 31: “Mas a ti, Senhor, criador sublime e bom acima de todas as coisas, a ti que governas o universo, a ti, nosso Deus, te dou graças, ainda que tivesses querido que eu fosse apenas criança. Porque mesmo então eu existia, vivia e sentia, e cuidava da minha incolumidade, vestígio da secretíssima unidade da qual me vinha o ser, guardava com o sentido interior a integridade dos meus sentidos e, nesses mesmos pequenos pensamentos sobre pequenas coisas, deleitava-me com a verdade. Não queria ser enganado, tinha boa memória, instruía-me com a convivência, suavizava-me com a amizade, evitava a dor, a abjeção, a ignorância. Que havia em tal ser que não fosse digno de admiração e louvor? Mas todas essas coisas são dádivas do meu Deus. Não fui eu que as dei a mim mesmo: não apenas são coisas boas, mas, além disso, todas essas coisas sou eu. É bom quem me fez, e ele próprio é o meu bem e diante dele exulto por todos os bens com que me fez ser, quando garoto” (sed tamen, domine, tibi excellentissimo, optimo conditori et rectori uniuersitatis, deo nostro gratias, etiamsi me puerum tantum esse uoluisses. eram enim etiam tunc, uiuebam atque sentiebam meamque incolumitatem, uestigium secretissimae unitatis, ex qua eram, curae habebam, custodiebam interiore sensu integritatem sensuum meorum inque ipsis paruis paruarumque rerum cogitationibus ueritate delectabar. falli nolebam, memoria uigebam, locutione instruebar, amicitia mulcebar, fugiebam dolorem, abiectionem, ignorantiam. quid in tali animante non mirabile atque laudabile? at ista omnia dei mei dona sunt, non mihi ego dedi haec: et bona sunt et haec omnia ego. bonus ergo est qui fecit me, et ipse est bonum meum et illi exulto bonis omnibus, quibus etiam puer eram).

[v] Conferir de genesi ad litteram X xii 21, comentário literal ao Gênesis escrito por Agostinho entre 401 e 415: “Ao dizer o apóstolo a carne cobiça (Gálatas v 17: caro concupiscit aduersus spiritum, et spiritus aduersus carnem) chama carne ao que opera o espírito segundo a carne, do modo que se diz o ouvido ouve e o olho vê, pois quem ignora que é muito mais a alma que ouve e vê por meio do ouvido e dos olhos?” (sic enim dicta est caro in eo quod secundum ipsam facit anima, cum ait, caro concupiscit; quemadmodum dictum est, auris audit, et oculus uidet. quis enim nescit quod anima potius et per aurem audiat et per oculum uideat?).

[vi] A querida e dulcíssima Vovó, Áurea Remígio Freire (17.02.1942‒16.01.2013 [70]), nos deixou muito cedo, e que falta sentimos. Era uma presença constante e ajudadora na vida dos netos e do casal. 

[vii] Apenas dez exemplos do recurso retórico da metáfora utilizado por Agostinho nas Confissões: (i) I v 5: “ouvidos do meu coração – aures cordis mei”; (ii) VII vii 11: “tormentos e gemidos do coração em dores de parto” – tormenta parturientis cordis mei, gemitus, (iii) “E aí estavam os teus ouvidos (de Deus), sem eu saber – et ibi erant aures tuae nesciente me”; (iv) I xvi 25: “torrente dos hábitos humanos – flumen moris humani”, (v) “sob os olhos da lei – in conspectu legum”; (vi) I xiii 21: “(Deus) luz do meu coração – lumen cordis mei”, (vii) “pão da boca interior da minha alma – panis oris intus animae meae”, (viii) “poder fecundante da minha inteligência e do meu pensamento – uirtus maritans mentem meam et sinum cogitationis meae”; (ix) I xvi 25:  (hábitos humanos como) “mar profundo e temeroso” – mare magnum et formidulosum, (x) “que somente podem atravessar os que navegam no lenho (da cruz) – quod uix transeunt qui lignum conscenderint.

[viii] Confissões VI iii 3: “sed cum legebat, oculi ducebantur per paginas et cor intellectum rimabatur, uox autem et lingua quiescebant”.


2 comentários:

  1. Excelente leitura, gostei muito de aprender um pouco a respeito desses grandes filósofos, afinal conhecimento nunca é demais, parabéns por mais esta interessante postagem, abraço.

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  2. Perfeito! Artigo muito didático e de agradável leitura. De modo impressionante mescla elementos da inquirição humana com a práxis dos laços afetivos cotidianos do histórico familiar. O amigo Rufino tem um dom lindo e peculiar de expressar suas memórias de modo tocante e profundo, nos reportando àquelas experiências e momentos!

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