Joran e Rodolfo no umbuzeiro cartão postal e
relicário de inscrições na Ringideira, Monteiro, PB
ℛenivaldo ℛufino
A foto de Joran e Rodolfo trepados no velho umbuzeiro da Ringideira é o
exemplo mais eloquente do encanto e mistério das genealogias. Geralmente,
árvores são utilizadas como ícones de demonstração do registro das gerações. Outras
vezes, essas demonstrações são feitas por diagramas ou figuras similares.
Árvore genealógica é uma expressão conhecida que, segundo o dicionário Houaiss,
é “a representação gráfica dos antepassados de um indivíduo, que pode incluir também,
em cada geração, os parentes colaterais”. O umbuzeiro, por sua vez, é uma
árvore alta, nativa das regiões tropicais da América do Sul, com “copa
frondosa, folhas pequenas, comestíveis e frutos com polpa doce e aromática, de
onde se prepara a umbuzada”. E lá no topo da planta estão os dois corajosos e
atrevidos que pertencem a ramificações específicas de árvores genealógicas. Estão
numa árvore e pertencem a uma árvore. Será que eles estavam pensando nesses pormenores
enquanto se divertiam e pintavam o sete nesse verdadeiro paraíso terrestre? É
claro que não, mas é o que menos interessa nesse momento quando nos voltamos
para os encantos que estão por trás desse tipo de relato.
Algumas pessoas acham
enfadonho falar ou ler sobre genealogias, mesmo que estejam nelas inseridas.
Até mesmo gerações listadas na Bíblia parece ser uma cantilena fastidiosa [1] para muitas delas. Para outras, como é o
meu caso, é desafiador, divertido, misterioso e encantador. Nesses relatos das
gerações estão ocultas histórias impressionantes. São esses relatos que formam
a própria história da humanidade. Livros como a Ilíada e a Odisséia, de Homero,
a Escritura hebraica, conhecida como Tanach, e a Escritura cristã, para citar
somente esses clássicos, são textos que fizeram e continuam fazendo a
imaginação da cultura ocidental, justamente por causa das ricas trajetórias ali
contidas.
Sempre tive
apreciação pelos relatos bíblicos que descrevem os ancestrais dos israelitas. Quando
lia tais passagens, jamais pulava uma frase que tratasse do assunto. Pelo
contrário, lia devagar e com avidez como se estivesse me alimentando da mais
saborosa comida. A primeira referência mais extensa se encontra nos trinta e
dois versículos do capítulo cinco do livro de Gênesis [2],
que você pode acompanhar na nota de final de texto. Vale a pena ler com o vagar
necessário que se exige das coisas que alimentam o espírito. De fato, toda boa
leitura é uma alimentação para a alma, ou seja, é uma verdadeira terapia.
Genealogia é isso
aí e muito mais. Deve-se notar que na relação da nota não constam os nomes de
Caim e Abel e sua descendência, que fazem parte do capítulo anterior. Trata-se,
portanto, da origem de um indivíduo e também de seus ancestrais e descendentes.
Encanto e mistério estão presentes nesses relatos, como ocorre nessa narrativa de
Gênesis pertencente à porção mítica
da Escritura hebraica. Essa geração de Adão parece longa e, para algumas pessoas,
até cansativa. Entretanto, ela é muito sucinta, pois cita apenas alguns nomes
masculinos, uma vez que o elemento feminino e outros componentes masculinos estão
incluídos no registro geral de “filhos e filhas”. Outro aspecto que chama a
atenção é a longevidade dos personagens. Existem diversas teorias sobre o tema,
porém não é esse o nosso propósito aqui. Por outro lado, é desafiador, misterioso
e encantador debruçar-se sobre os detalhes de uma lista dessas. Cada nome
citado encerra em si uma história de vida vivida com sua dinâmica própria e
cheia de impressionantes matizes. E, mais ainda, quando pensamos no acréscimo
de tantas pessoas descendentes dessa mesma linhagem, entramos numa verdadeira
roda viva que nos causa forte impressão. Ora, se a vida ela mesma já se
constitui no maior de todos os mistérios, o que dizer com a junção de tantas
vidas?
O maior impasse a
quem se propõe a fazer um registro desses, é chegar aos ancestrais, sendo que existem
dificuldades até na listagem das gerações mais recentes. E são poucas as
pessoas interessadas em contribuir com a temática. Afirmo isso porque já lido
com essa tarefa há mais de vinte anos. Inclusive, quando estive ocupadíssimo em
São Paulo durante mil, novecentos e cinquenta e cinco dias corridos, na elaboração
da minha tese de doutoramento, andava sempre anotando esses dados junto aos
familiares, quer estivessem próximos, quer distantes. Até mesmo em uma viagem
que fiz a Goiânia em 2005, para rever primos e conhecer outros e outras que
ainda não conhecia, estive fazendo esses registros e resgates.
Para que se tenha
uma pálida ideia de quão trabalhoso é cair na aventura de listar gerações, somente
em 2008, em encontro que tive em São Paulo com meu primo legítimo Marçal, é que
consegui chegar à bisavó e ao bisavô por parte da minha avó paterna, e mesmo
assim com dados incompletos, ou seja, somente os primeiros nomes. O pouco que
registrei foi graças a esse primo, que se interessou tanto pelo assunto quanto
eu. Dele eu consegui não apenas os primeiros nomes do nosso bisavô e bisavó,
mas também o ano da morte do nosso avô Rufino José dos Santos. Ele falou o
seguinte a certa altura da conversa: ‒ “Minha mãe dizia que eu nasci no ano em
que meu avô morreu”. Sem condições de avançar nessas informações ‒ a não ser
quando fizer buscas em igrejas e cartórios, pois já não existem testemunhas
orais disponíveis ‒, resolvi romancear o encontro do meu bisavô com minha
bisavó, a partir da sucinta informação que me foi repassada. E esse será o tema
de uma das próximas publicações: “Antão e Guilhermina ‒ o amor que jamais acaba”.
Sendo assim, falar ou escrever sobre pessoas, até mesmo na sequência mítica aqui
transcrita, é abordar questões atinentes à genealogia. Cada ponto de um relato
desses, por mais insignificante que possa parecer, é fonte riquíssima de
informações sobre o ser humano. São trajetórias que carregam verdadeiro tesouro
em termos de certos aspectos da vida. E tudo que se refere à vida é extremamente
importante e prazeroso.
Voltando à foto
acima mais uma vez, na qual aparecem meu filho Joran e meu sobrinho Rodolfo,
notamos que apesar de congelada num determinado momento do tempo, ela tem uma
dinâmica toda especial, pois continua aberta a questionamentos. Por que estão
ali em cima? O que esses dois garotos marotos estão aprontando? Que ocorreu
antes de chegarem a essas poderosas e centenárias galhas? De onde vêm e para
onde vão? Como vemos, existe toda uma gama de possibilidades por trás dessa
cena que faz parte da geração dos dois. Eles são continuidade de seus
ancestrais que aí viveram, não em cima desse umbuzeiro, mas na localidade onde
a frondosa árvore se situa, justamente em frente à casa onde nasceu seu tio
mais velho em 1936, após um parto difícil e doloroso pelo qual passou Maria
Laura, avó dos dois.
Eles e nós íamos
ao encontro desse tio, agora com residência fixa em Caroalina, pertencente ao
município de Sertânia, em Pernambuco, e a alguns quilômetros de distância.
Inusitado é que, ao chegarmos, o tio estava trabalhando a alguns quilômetros do
povoado, e nós já nos dirigimos para lá a fim de pregar uma peça nele. Joran,
gaiato como é, logo criou um novo nome para Rodolfo: a partir dali ele seria Adolpho ‒ assim com ph mesmo e com muita cavernosidade na pronúncia ‒, nosso amigo que
nos acompanhava na viagem e que se propôs a dirigir meu carro desde Recife,
enquanto o primo vinha “com as viria banida” pilotando sua imensa moto. Ao
chegarmos à fazenda, nosso amigo foi logo apresentado com seu nome cavernoso e
não houve qualquer reação contrária ao que se planejara. Parece que conseguimos
enganar o ilustre personagem. Quase de imediato ele já estava sobre uma potente
montaria ‒ como esse rapaz gosta de montar, minha gente! ‒, agora de carne e
osso: um belo cavalo devidamente selado. Enquanto a nossa atenção estava
voltada para as peripécias do novo cavaleiro, o primo começou a fustigar a fera
com vara curta: ‒ “Mas tio Duza, você não reconheceu Rodolfo, filho de tio Reginaldo?”
Num passe de mágica, Adolpho
se transmudou em Rodolfo. Foi muita anarquia liderada por Joran, rindo com a
peça que pregara no tio tão crédulo. Dono do pedaço como sempre foi, não
se deu por vencido e retrucou: ‒ “Ele tem os mesmos traços do pai! Parece muito com a família! Eu bem que
desconfiei!”
Umbuzeiro da Ringideira engalanado para o Carnaval de 2020.
NOTAS
[1] O termo cantilena fastidiosa, ou odiosa,
é utilizado por Agostinho de Hipona (354-430, 75 [e aqui vai genealogia]),
quando se refere aos estudos em sua época de infância, conforme Confissões I, xiii, 22: “Com efeito, o um e um, dois; dois e dois, quatro, era para mim uma cantilena
fastidiosa (odiosa, detestável), e agradabilíssimo o espetáculo da futilidade:
o cavalo de madeira cheio de homens armados, o incêndio de Tróia e a sombra de Creusa” (Virgílio, Eneida, II, 772 [iam uero unum et unum
duo duo et duo quattuor odiosa cantio mihi erat et dulcissimum spectaculum
uanitatis equus ligneus plenus armatis et troiae incendium atque ipsius umbra creusae]).
[2] “1Este é o livro da
genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o
fez; 2homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou pelo
nome de Adão, no dia em que foram criados. 3Viveu Adão cento e
trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe
chamou Sete. 4Depois que gerou a Sete, viveu Adão oitocentos anos; e
teve filhos e filhas. 5Os dias todos da vida de Adão foram novecentos
e trinta anos; e morreu. 6Sete viveu cento e cinco anos, e gerou a
Enos. 7Depois que gerou a Enos, viveu Sete oitocentos e sete anos; e
teve filhos e filhas. 8Todos os dias de Sete foram novecentos e doze
anos; e morreu. 9Enos viveu noventa anos, e gerou a Cainã. 10Depois
que gerou a Cainã, viveu Enos oitocentos e quinze anos; e teve filhos e filhas.
11Todos os dias de Enos foram novecentos e cinco anos; e morreu. 12Cainã
viveu setenta anos, e gerou a Maalaleel. 13Depois que gerou a
Maalaleel, viveu Cainã oitocentos e quarenta anos; e teve filhos e filhas. 14Todos
os dias de Cainã foram novecentos e dez anos; e morreu. 15Maalaleel
viveu sessenta e cinco anos, e gerou a Jerede. 16Depois que gerou a
Jerede, viveu Maalaleel oitocentos e trinta anos; e teve filhos e filhas. 17Todos
os dias de Maalaleel foram oitocentos e noventa e cinco anos; e morreu. 18Jerede
viveu cento e sessenta e dois anos, e gerou a Enoque. 19Depois que
gerou a Enoque, viveu Jerede oitocentos anos; e teve filhos e filhas. 20Todos
os dias de Jerede foram novecentos e sessenta e dois anos; e morreu. 21Enoque
viveu sessenta e cinco anos, e gerou a Metusalém. 22Andou Enoque com
Deus; e, depois que gerou a Metusalém, viveu trezentos anos; e teve filhos e
filhas. 23Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco
anos. 24Andou Enoque com Deus, e já não era, porque Deus o tomou
para si. 25Metusalém viveu cento e oitenta e sete anos, e gerou a
Lameque. 26Depois que gerou a Lameque, viveu Metusalém setecentos e
oitenta e dois anos, e teve filhos e filhas. 27Todos os dias de
Metusalém foram novecentos e sessenta e nove anos; e morreu. 28Lameque
viveu cento e oitenta e dois anos, e gerou um filho; 29pôs-lhe o
nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos, e das fadigas de
nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou. 30Depois que gerou
a Noé, viveu Lameque quinhentos e noventa e cinco anos; e teve filhos e filhas.
31Todos os dias de Lameque foram setecentos e setenta e sete anos; e
morreu. 32Era Noé da idade de quinhentos anos, e gerou a Sem, Cam e
Jafé.
Muito bom... gosto muito de ler os seus escritos, a história do encontro de Joran e Rodolfo(Adolpho) ficou com um gostinho de continuidade.
ResponderExcluirObrigado pelo seu comentário. Aguarde o romântico encontro de Antão e Guilhermina.
ExcluirQue lindo! Que coisa boa rever os nossos familiares. O texto nos conduz ao passado, presente e futuro. Passado, nas saudosas lembranças... presente com o encanto da viagem, chegada, contatos, presença... e futuro nestes dois "garotos marotos" cheios de energia. Grato Renivaldo por compartilhar este texto, que sirva de pretexto para que outros possam alvorar suas genealogias.
ResponderExcluirObrigado, Linaldo, pelas ricas considerações, que me estimulam ainda mais a continuar nesse caminho árduo, porém prazeroso!
ExcluirATENÇÃO PESSOAL!
ResponderExcluirSe você tem e-mail do Google, Gmail, seu comentário ficará devidamente identificado. Se não tiver, fica como DESCONHECIDO. Nesse caso, seria ótimo se houvesse a identificação após o comentário. Se você comentar no Whatsapp, eu posso transferir seu comentário. Meus agradecimentos a todos e todas.
Obrigado, SUELY MATTOS, pelo sua palavra de apreciação no Whatsapp:
ResponderExcluir[13:46, 12/04/2020] Que Historia!!!!! Dá vontade de saber mais!!!!
[13:47, 12/04/2020] Mas me diga, quando foi que despertou em você a "paixão" por genealogia e como?
[13:49, 12/04/2020] Confesso que só a pouco tempo consegui ler, estudar e escrever sobre a genealogia na Bíblia! !!!! Me intercedo por que fiquei pensando em como esse povo tinha filhos e de idade avançada! !!!!
[13:49, 12/04/2020] Parabéns!!!!
É UMA LONGA HISTÓRIA, SUELY!
Em 1957 saí da vida rural aos 11 anos de idade, justamente daí da Ringideira, onde meu pai possuía terras herdadas do meu avô.
Ele vendeu tudo, comprou um caminhão misto e fomos morar em Arcoverde e ali fui alfabetizado.
Sempre retornava ao lugar da minha infância, como faço ainda hoje, para visitar meus parentes.
A última dessas viagens foi agora no Carnaval 2020, quando me fiz acompanhar de meu filho Joran, minha nora Bela (Isabela) e meu neto Nicolas.
Foi essa a primeira vez que minha nora e meu neto visitaram a terra dos meus ancestrais por parte do meu pai.
Então, se isso contar, já são cerca de sessenta anos que busco minhas raízes, minhas origens.
Entretanto, somente nos últimos vinte anos ou um pouco mais é que comecei a fazer anotações da genealogia, tanto pelo lado materno, dos Freire, como pelo lado paterno, dos Rufino, em duas localidades específicas: Ringideira, pertencente a Monteiro, na Paraíba, e Sertânia, em Pernambuco.
Tenho tido muito progresso nas minhas pesquisas, mas ainda falta muita coisa, pois entendo que esse é um trabalho que tem começo, mas não tem fim.
Outra coisa que também conta, é que sempre tive interesse especial pela leitura da Bíblia, inclusive a parte genealógica.
Espero ter sido útil a você de alguma maneira.
Agradeço ao colega e professor ROBERTO SILVA, pelas suas palavras de elogio e encorajamento, através do Whatsapp:
ResponderExcluirMeu doutor, realmente encantado com o relato. Aliás, uma biografia humana que só o amigo na sua leveza e tirocínio é capaz. Muito feliz e grato. Grande abraço. 👍👏🏼
Obrigado à querida prima MANINHA, pelo seu comentário no Whatsapp:
ResponderExcluirVc é fantástico!
Agradeço à professora VITÓRIA RIBAS pela sua palavra de apreciação no Whatsapp:
ResponderExcluirObrigada por compartilhar comigo suas relíquias
Uma bela história do ontem e do hoje pra nisso bom conhecimento. Parabéns
ResponderExcluirObrigado, GILSON, pelo seu comentário!
ExcluirLUZA, obrigado pela leitura do texto e apreciação pelo WHATSAPP:
ResponderExcluir[12.04.2020, 00:51]: Parabéns!
Agradeço ao FREI FELIPE, meu parente pela ramificação dos RUFINO, pelo seu comentário através do WHATSAPP, às 10:46 dessa terça 18.08.2020, e também pelo novo desafio que me foi lançado:
ResponderExcluirEstou muito contente com as suas conclusões.
Muito mais contente em saber que as suas aspirações pela nossa genealogia partem de uma experiência com as genealogias bíblicas!
Primo, tenho outra dúvida, possivelmente você poderá me ajudar...
Qual é a origem do sobrenome Rufino? Uns dizem que é italiano (corruptela de Ruffinni?) E outros afirmam que é espanhol.
Qual a sua visão sobre?
Agora são 19:47
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