Loidimar, Vanda, Vallone e Suely durante visita que nos fez.
EMOÇÕES À FLOR DA PELE
Renivaldo Rufino
04.i.2020
Eu sou um
verdadeiro vulcão de emoções. Venho descobrindo isso já há algum tempo. No
próximo mês de março completarei não apenas meu septuagésimo quarto aniversário,
mas o vigésimo sétimo ano que estou afastado do púlpito e, portanto, do
discurso público. É claro que, quando terminei o doutorado em janeiro de 2011,
tive uma rápida experiência de discurso como professor universitário, isso até
2013, o que parece que assanhou ainda mais esse vulcão interior.
O primeiro
vexame que passei foi quando Bela, minha nora, com seu jeito doce e amável, desafiou-me
a dar uma palavra na celebração do seu casamento com Joran. Aceitei, depois de
muita relutância e de muita luta comigo mesmo. E, para ficar seguro, caso fosse
surpreendido com o borbulhar das lavas incandescentes em forma de lágrimas,
resolvi escrever o que pretendia falar. E foi assim que nasceu “o todo
homogêneo”, que se encontra disponível no meu Blog, graças à prestimosa ajuda
de Marcos Monteiro, a quem conheço desde 1975, quando começamos nosso curso no
Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, em Recife. São quarenta e
quatro anos de sólida amizade.
Pois bem, quando fui dar minha palavra na linda festa de
Bela e Joran, a terra do meu corpo começou a estremecer de maneira violenta, e
a vermelhidão do fogaréu deu sinal vital. Respirei
fundo, como sempre aconselha meu filho Joran, temperei a garganta, disfarcei de
alguma maneira, remexi a terra pra lá e pra cá, tentei ficar mais aprumado, e
as lavas foram sendo empurradas de novo lá para o íntimo do meu íntimo, para o
fundo mais profundo da terra que sou eu. Só então consegui chegar ao fim da
última sílaba daquela minha curta fala pública. Eu sabia, entretanto, que as lavas continuavam
em ebulição lá no meu interior, como se fossem ondas revoltas do mar que são
jogadas com ímpeto em todas as direções.
Muito tempo depois, eis que
Marcos Monteiro me desafia para apresentar uma palavra no segundo encontro do
Cafezinho Curviana, aqui em Recife. Pensei em dissertar sobre “as falas das
minhas netas e do meu neto e a questão da linguagem em Agostinho de Hipona”,
seguindo mais ou menos ideias que trabalhara na minha tese de doutoramento. E lá
fui eu, todo feliz, com minhas anotações sobre o tema proposto.
Entre as pessoas presentes ao Cafezinho, lá estavam Joran e Bela, um caríssimo
amigo dos tempos do mestrado em filosofia na Federal de Pernambuco, outro
grande camarada e poeta, uma ex-aluna dos meus tempos de professor em 2012, uma
ex-ovelha da minha época na Primeira Igreja Batista de Beberibe, o próprio
Marcos Monteiro, e mais algumas pessoas. Quando
assumi a tribuna sagrada, ou seja, a própria cadeira onde estava sentado
naquele círculo de pessoas tão queridas, senti, de novo, o abalo sísmico. Parei,
respirei fundo, até mesmo aconselhado por Joran, que estava ao meu lado, remexi
a terra do meu corpo na cadeira, evitei olhar para as pessoas, mas não teve
jeito que desse jeito, pois o gigante acordara furioso e queria expelir fogo
para todos os lados, sem dó e sem piedade. Fiquei quieto durante o tempo suficiente
para o magma vulcânico parar de escorrer em meu rosto na forma de lágrimas. As
lágrimas eram furtivas e quase imperceptíveis, mas o barulho do abalo deixava
tudo muito claro: o vulcão das emoções tentava entrar em plena erupção. Tentei
administrar como pude, mas o desastre ecológico-corpóreo irrompia cada vez com
maior força. E assim foi até mais da metade
do texto, composto de cerca de oito páginas, até que cheguei ao fim, são e
salvo daquela aparente catástrofe.
E eis que agora, bem no
finalzinho de 2019, o animal natural deu o ar de sua graça mais uma vez,
chegando quase ao ponto de provocar uma desgraça. Desejei expressar minha
palavra de gratidão, carinho, afeto e celebração, na cerimônia fúnebre do
querido amigo pastor Loidimar, cuja amizade já dura quase cinquenta anos. Viajei
a Campina Grande no dia 31 de dezembro, pela manhã, hospedei-me na casa de
minha irmã, e chegamos ao local um pouco depois das quinze horas. O verde lençol
de grama que se estende para todos os lados e a paz que reina naquele ambiente acolhedor,
traziam à minha mente a lembrança dos pastos verdejantes do salmo vinte e três.
Tudo contribuía para me encorajar e me levar a pensar que meu vulcão interior se
comportaria naquela ambiência de paz.
Logo ao chegar, fui
encorajado pela alegria de reencontrar Walkíria, a quem não via há cerca de
quarenta anos, e nossa conversa me reanimou muito mais, pois sofri bastante
durante a viagem entre Recife e Campina Grande, como venho sofrendo desde o
momento quando soube da morte do querido amigo. Ao falar com Vandimar, que se
encontrava do lado de fora, senti o primeiro abalo e notei que o gigante como
que bocejava para acordar. Disse-me ele que eu poderia entrar no local da cerimônia,
pois Valone me concederia a palavra.
Ao entrar no espaçoso local
onde acontecia a cerimônia, deparei-me com o pastor João Félix, grande amigo
dos bons tempos da Jubaíba ‒ Juventude Batista da Paraíba ‒, que, ao me
abraçar, sussurrou: “Quando soube da morte de Loidimar, pensei logo em você”. “Grande
perda”, disse-lhe eu. Porém, assim que o pastor Valone me chamou pelo nome, eu
nem sei como consegui chegar lá onde ele estava junto aos demais pastores, pois minhas
emoções pareciam sair pelos poros e se espalharem por toda superfície tátil do
meu corpo.
Minha alma estremeceu e meu
corpo cedeu diante do comando mais forte que ele, enquanto eu tentava,
inutilmente, arrefecer o efeito que me impedia de começar a falar a partir do
texto. Até que consegui citar o título: Loidimar, o homem feliz. Grito e emoção
ecoaram naquele momento, e quase não tive condições de continuar. O primeiro
parágrafo foi titubeante, entre choro contido e lágrimas que teimavam em banhar
meu rosto. Dali em diante, consegui alcançar meu objetivo, indo aos poucos, com
cautela, muito cuidado, tentando respirar profundamente, ao mesmo tempo em que
pensava na profundidade da amizade que me une ao querido amigo, que agora faz
parte do eterno presente. Cheguei ao fim de minha fala e ao sossego das emoções,
que representam apenas uma pequena parcela da gratidão, homenagem e celebração que
ele e seus familiares merecem.